Devido ao fato de zelarmos, e invocarmos a presença de nossos Orixás para nos ajudem em nossas vidas, é comum nos chamarem de “adoradores de deuses” de politeístas. Os sacerdotes das religiões cristãs, dizem que não teremos salvação, etc. e tal, por sermos politeístas e não acreditarmos em Cristo e Deus.
O fato de cuidarmos de nossos Orixás, em nada nos apresenta como politeístas, pois dentro do Candomblé, acreditamos em um Deus único, que criou o céu, a Terra e tudo que existe em nosso mundo e fora dele.
Somos de uma religião Monoteísta sim, pois cremos em um só Deus, e seus Ministros que são nossos Orixás. Esses seres são na verdade, antepassados de todos nós, e após seu desencarne, conforme a crença africana, sua energia se misturou com a dos Orixás e hoje nos auxiliam na vida.
Por que então, se cremos nos Orixás não somos Politeísta?
Muito fácil: os africanos mais antigos, aqueles que viveram há séculos e séculos atrás, eram caçadores e agricultores, era uma civilização arraigada a seus cultos, pois esses por sua vez, descendiam de seus ancestrais.
Assim sendo, como um povo caçador e agricultor, e como faziam várias outras civilizações, viam na Terra, nos rios, na caça, nas plantas, em fim; em tudo que existia, a forma e a presença de Deus, Olorúm, e assim sendo, cultuavam essas formas como se fossem a expressão da face de Olorúm. Quando matavam, agradeciam a Deus pela caça e rezavam para aquele ser que mataram para lhe agradecer por sua carne servir de alimento para seu povo.
Como um povo antigo, acreditavam que tudo que na Terra existia, era um presente de Deus para que pudessem sobreviver, enquanto aguardavam seu retorno para o mundo dos espíritos. Vale à pena lembrar, que esses povos temiam a ira dos espíritos, da mesma forma com que temiam a ira do Criador.
Assim, com o passar dos anos, as civilizações antigas foram dando lugar a outras mais modernas, mas, mesmo assim, a cultura de seus ancestrais estava arraigada no mais íntimo de seus seres, e foi passada de geração para geração.
Com a chegada do mundo moderno, a ciência se desenvolveu, o homem sempre necessitado de uma explicação para tudo e principalmente para a sua própria existência, começou a criar maneiras de explorar seu inconsciente para que pudesse ter uma lógica até mesmo para a existência de sua alma, coisa que a ciência antiga não acreditava em hipótese alguma.
Segundo pesquisadores, a ciência conseguiu provar que um corpo pesava menos depois da morte e assim, pode aceitar a existência do espírito.
Com nossa religião, não foi diferente, foi preciso que estudiosos, como Pierre Verger, adentrassem para o mundo do culto aos Orixás, para que as pessoas passassem então a nos olhar de outra forma.
Puderam então, ver que concebemos sim, a existência de Deus e de seu filho Jesus Cristo, mesmo sendo nossa religião muito mais antiga que o Cristianismo. Acontece que vários negros ao irem para os Estados Unidos, Brasil e outras localidades do mundo, conheceram a história de Cristo.
Isso se deu, pois mesmo sendo pessoas que não sabiam escrever, eram dotados de grande inteligência, e, vendo as gravuras dos livros que contavam a vida e morte de Jesus, compreenderam que ele fora um homem o qual lutou pela liberdade acima de tudo e somente não compreenderam como os mesmos homens que deviam a ele, o sacrifício ao qual se submeteu, o mataram em uma Cruz.
Não compreendiam como que uma pessoa que somente desejava a paz, fosse morto pela sua própria gente! Mais tarde, quando começaram a ser catequizados, foram vendo que suas interpretações eram mais que corretas e desde então passaram a conhecer a Cristo e sua vida.
Viram também, que os homens que os escravizaram, adoravam um ser que chamavam de Deus e que esse tinha como Reino, o céu. Então, viram que esse mesmo Deus era conhecido em sua terra por outros nomes dependendo da localização de cada tribo, e viram que: Olorúm, Zambiapongo, Ododúa, e outras formas de o chamarem, eram na verdade um só, e, o mesmo para o qual, os brancos celebravam cultos aos domingos, nascia assim à correspondência de Deus com Olorúm, Zambiapongo e outros.
Contavam suas lendas, que existia: Olorúm, seu rebento Oxalá e, Oxalufã e Oxaguiã e viram que dentro da religião dos brancos, existiam: Deus, e as três pessoas da Santíssima Trindade na qual constava como governante do mundo, Cristo. E assim, sincretizaram Cristo com Oxalá, e por aí foi que surgiu o sincretismo.
Dentro das ramificações das religiões africanas, Deus era único e para ele, não faziam cultos, não dedicavam filhos aqui na Terra, pois como poderia uma pessoa se incorporar com aquele que tudo criou? Também, não chamavam seu nome em vão, e, somente em casos muito extremos ousavam pronunciar o Santo nome de Olorúm.
Por que não dedicavam cultos expressos a Olorúm? Porque ele já é onipresente e assim sendo, vive e caminha com os homens diariamente através de seus Ministros, que são os Orixás! Também não dedicavam filhos para serem iniciados a ele, pois em sua visão, todos somos filhos de Deus, e somente temos nossos Orixás, para que esses intercedam junto a Deus por nós!
Quando nascia uma criança, o babalaô, que era a pessoa incumbida de consultar os antepassados através do jogo de Ifá, fazia a consulta para ver se aquela criança era escolhida para o sacerdócio e se assim fosse, dava-se início a seu aprendizado.
Na África antiga, se o Rei de uma aldeia, fosse, por exemplo, filho de Ogum, todos os que nasciam ali eram consagrado para esse Orixá. Aqui no Brasil, foi que se deu início ao culto de que, cada um tem seu Orixá próprio, pois o mesmo é destinado por Orumilá, outro nome com o qual Deus é conhecido na África.
Temos apenas que ficar atentos, pois mesmo tendo nosso Orixá, temos o Orixá de nossa família e a esse também devemos entregar presentes e as mais diversas oferendas conforme a deliberação do Oráculo Sagrado de Ifá.
Assim sendo, podemos obsevar que o Candomblé é sim uma religião Monoteísta, pois acreditamos em um único ser, que a tudo criou e que preside o destino dos homens aqui na Terra.
Cremos sim, em Cristo seu único filho, pois os primeiros que aqui chegaram aprenderam a fonte de bondade suprema que é esse Filho de Deus.
Apenas temos outra forma de vermos Deus e nossas vidas! Não acreditamos na morte como o fim, mas sim como o recomeço de uma nova etapa na vida do espírito, pois, cremos também que o Universo não desperdiça nada e, que após desencarnarmos, nosso espírito se funde com o de nossos antepassados, para que possamos assim, auxiliar os que aqui vivem, e tudo isso faz parte de um processo de aperfeiçoamento para que um dia, possamos todos, inclusive nossos Orixás, vivermos na presença de Deus.
Sérgio Silveira, Tatetú N’Inkisi: Odé Mutaloiá.