Desde que o mundo é mundo, desde
que a primeira vida foi criada, a morte faz parte desta, da mesma forma que o
nascer. Todos nós pregamos o desapego, o consolo, mas, quando ela visita nossa
família, quando vemos àqueles que amamos serem levados desse mundo, muito do
que pregamos desaba. Todos nós já perdemos alguém, e nem sempre mostramos que
estamos verdadeiramente prontos para o momento fatídico.
As religiões, todas elas, cada
uma de sua forma, mostra-nos que a morte nada mais é, que o retorno da alma
para junto de Deus. Cada uma com sua linguagem, mas, todas pregam no fundo a
mesma verdade. Porém, quem realmente se consola ao ver um ente querido, inerte,
frio e sem respiração? Muito poucos na verdade se consolam com esse momento.
Sempre nos abatemos seja de uma forma ou de outra.
Mas, o que é realmente a morte?
A resposta para essa pergunta
varia muito de cada religião. Para os cristãos evangélicos, é ela, o salário do
pecado, ou seja: é o que recebemos como soldo após uma vida de erros e pecados.
Para os japoneses, a morte nada mais é que o livramento da alma, de um mundo de
lutas e dissabores que é o que vivemos. E assim por diante. O mesmo ocorre com
o destino na alma após o desencarne do invólucro que ela aqui usava, ou seja: o
corpo físico. E as mesmas variantes encontramos no tangente à resposta para
tal.
Mas, e para nós; o que é a morte
e para onde vai nosso espírito?
Dentro dos preceitos do
Candomblé, acreditamos que a morte nada mais é que uma transformação, ou seja:
passamos do estado físico para o de espírito. Não temos nada contra a morte,
até mesmo porque, segundo nos ensina Nanã Burukê, “é necessário que morra um,
para que possa nascer outro”. E assim encaramos a morte. Temos a convicção de
que um dia partiremos desse mundo, e nesse momento, nosso espírito será levado
pelos Orixás a um local onde esperará o julgamento de seus atos aqui na Terra.
Cremos ainda, que nos unimos aos nossos antepassados e vivemos à partir de
então, no gozo pleno da felicidade que somente as graças de Olorúm, podem nos
conceder.
Não cremos na morte como fim, mas
sim como recomeço. Vejamos bem: quando viajamos para outro lugar, passamos lá o
tempo necessário para resolvermos nossos assuntos ou mesmo para o descanso que
precisa nosso corpo, mas, um dia retornaremos para nosso lar, junto de nossos
familiares. O mesmo ocorre com a morte: nosso espirito passa aqui, o tempo
imprescindível para suas conquistas, para seu aperfeiçoamento, mas, depois ao
morrer o nosso corpo físico, ele volta para sua casa, onde estão à sua espera,
familiares, amigos queridos, que anseiam o dia de seu retorno. Isso para nós é
a morte.
Não cremos com isso, que nossos
atos são simplesmente apagados porque Deus perdoa, afinal é essa sua função.
Não! Cremos que ao morrer nosso corpo, nosso espírito dará contas de tudo que
fez quando aqui encarnado, cremos ainda que, ao criar o espírito, Olorúm cria
uma mente para ele, e essa mente é quem vai nos condenar ou não.
Sabemos que existem os Orixás e
eles são os Ministros de Deus, e servem à Ele somente, e sempre que precisam,
aplicam o rigor de suas Leis em nós seres humanos. Pois bem: se Olorúm é a
perfeição, suas Leis não podem ser diferentes, então não tem como um ladrão,
estuprador, assassino, simplesmente ficar impune de tudo que cometeu aqui na
Terra. Pois se assim o fosse, de nada adiantariam suas Leis e sabemos que Ele é
a perfeição acima de tudo.
Da mesma forma que precisamos nos
preparar para o nascimento de uma criança, precisamos nos preparar para a
morte, pois que, essa é inevitável. Se por uma lado, ao nascer uma criança, ou
nascermos de novo para o Orixá, quando somos feitos existem os ritos a serem
seguidos, depois da morte existem os ritos próprios, e temos que estar
preparados para eles, por mais que nos doa.
Ao nascer uma criança,
festejamos, e depois providenciamos seu batizado. Quando somos feitos, existem
tanto os rituais para nossa iniciação, como existe a festa, onde nosso Orixá
dará seu nome para os que ali estiverem.
Quando uma pessoa morre, temos
que nos entregar aos rituais que irão amparar aquele espírito em sua nova
jornada. Desde tempos imemoriais, as tribos mantinham seus rituais fúnebres.
Uns, queimavam seus mortos mediante determinados cânticos que eram próprios
para a ocasião, e assim faziam para que aquele que os deixava, pudesse se
encontrar com seus antepassados. Depois com a criação do Cristianismo, passou a
Igreja Católica a celebrar o velório, que significa exatamente: queimação de
velas. Pois viam nesse rito, a forma mais correta para encaminhar aquela alma.
E não podemos dizer que estejam errados, basta nos lembrarmos que, em tempos
atrás, o velório era sinônimo de silencio em respeito ao morto, e durante seu
acontecimento eram recitadas várias preces e de forma incansável para que
aquela alma pudesse se confortar e ascender aos Céus.
Já outras religiões apenas velam
o morto durante umas horas, sem velas, pois não creem nelas e dão sepultamento
ao cadáver. Mas e como devemos proceder, nós que somos do Santo?
Muito simples:
Ao recebermos a notícia do
falecimento de alguém de nossa casa, a primeira coisa a fazer é esvaziarmos as
quartinhas de água, suspender todas as comidas que estiverem arriadas para que
possamos então, dar por iniciada a cerimonia, que quem é Zelador sabe o que
fazer. E enquanto a casa estiver nessa cerimonia, todos os filhos devem se
resguardar, afinal temos que respeitar àquele que deixou esse mundo. E enquanto
seguem as cerimônias no corpo, somente os mais velhos podem ficar presente, e
depois que se encerram, entrega-se o corpo para o velório.
Mesmo depois de sepultado o
cadáver, temos outras cerimonias que deverão ocorrer com no mínimo sete dias do
falecimento, e todos da casa seguem de preceito. Fazemos esses ritos, pois são
de suma importância para que nosso espírito possa seguir em paz, para junto dos
Orixás e esperar pelo julgamento de seus atos aqui na Terra. Oras, se sabemos
entregar uma pessoa para a vida, temos que saber como entregar para a morte, e,
temos que entender que, tudo isso faz parte dos mistérios de Deus para nós.
Em toas as épocas, em todas as religiões,
sempre existiram os rituais fúnebres e eles são de importância primordial para
o espírito que se vai desse mundo. Não podemos simplesmente permitir que uma
pessoa vá para o mundo astral, sem seu reconhecimento. Se esses rituais não fossem
necessários, não existiriam desde tempos imemoriais, pois sabemos que os
antigos, sempre foram dotados de uma sabedoria que nos surpreende ainda hoje.
Em nosso meio, temos o direito de
chorar o morto sete dias e depois disto, temos a obrigação de deixá-lo em paz
para que siga seu novo caminho. Não temos o direito de perturbar a paz daqueles
que são chamados de volta para o Céu. Temos sim, que respeitar a vontade do Pai
que tudo criou e de tudo sabe.
Entendemos dentro de nossa fé, que a morte é
apenas a passagem da alma deste mundo para o outro, e que mais dia menos dia,
todos faremos essa passagem. Nada nos impedirá, nem ninguém irá em nosso lugar,
afinal, quando nascemos, já temos marcado o dia de nossa morte.
Embarcamos no trem da vida, mas,
com a passagem de volta no bolso. E isso queridos, faz parte dos mistérios de
Deus. Entendamos que Ele somente é quem sabe de tudo e que nada podemos fazer sem
sua permissão. Se somos verdadeiros com aqueles com os quais convivemos,
entenderemos o momento de sua passagem de volta. O que nos faz chorar muito, é
na verdade o nosso egoísmo, pois queremos a pessoa para nós para sempre, e isso
não acontece. Também o nosso egoísmo faz com que pensemos que nunca mais
veremos aquela pessoa, mas isso também está errado. Se Deus nos concedeu a
morte, com certeza concede o reencontro de todos nós um dia.
Por que então, nos desesperarmos
pela morte de alguém? Chorar, chorar é válido, afinal somos seres humanos e
temos esse direito. A dor da perca não cala dentro de nós, e por mais que
saibamos que é errado chorar, choramos sim, e em meu ver, é saudável, porque
damos vazão a um sentimento que poderá colocar em risco nossa saúde. Mas, o que
não precisamos é do desespero, pois este sempre é mal conselheiro.
Não nos percamos então diante da
morte, pois ela é tão somente uma transformação, e se por acaso perdeu alguém
de sua família ou mesmo que não seja seu sangue, mas alguém que amava, saiba
que na verdade não perdeu, mas sim, ganhaste uma flor nos jardins de Deus, e
Ele saberá permitir o momento de esta flor vir te visitar. Chore, mas não se
desespere, sinta sua dor, mas não permita que ela atrapalhe sua jornada, nem a
de quem se foi. Nada, isso posso garantir: nada passa desapercebido aos olhos
de nosso Pai e Ele saberá nos mandar o conforto de que precisamos.
A morte, essa não é fim, mas o começo de uma
outra etapa. Quem de nós quando em viajem, não deseja voltar para casa? O mesmo
acontece com o espírito encarnado, que anseia pelo seu retorno para junto dos
seus, em seu mundo. Morrer faz parte do viver, assim como o nascer, não podemos
é nos deixar abater ao ponto de abdicarmos de nossas tarefas, pois que, aquele
espírito sofrerá ainda mais.
Eu como todos, já perdi pessoas
que amava, mas sei, que estão juntos de Deus e no momento certo, nos
encontraremos. Queridos, nada é mais importante que a fé, e esta não nos
permite titubear nem mesmo quando o inevitável acontece, porque fé é antes de
tudo a certeza daquilo que pregamos, estudamos e praticamos. Assim sendo, não
se abata em demasia, lembre-se de que outros ficaram e dependem de ti.