Desde que fui borizado na casa de
Mametú Indembleouí, aprendi que se bate a cabeça para os mais velhos e lhes
pede a benção. Mas, os valores estão deturpados e hoje em dia as pessoas
sentem-se humilhadas ao dar dobá nos pés de um zelador ou mesmo em pedir a
benção. Isso ocorre porque nem sempre são as pessoas ensinadas da forma correta
dentro dos preceitos do Santo.
Nem sempre lhes é explicado o que
na verdade representam esses e outros atos dentro de uma roça de Orixá. Bem,
fomos feitos, recebemos um Orunkó e uma Digina.
Ocorre que nosso pai ou mãe de santo, não tirou esses nomes apenas de
sua cabeça. Para isso é feito um jogo de búzios e ali tiramos o nome do santo.
Quando chega o dia de nossa saída, esse nome é “dado na praça” como se diz,
então, nascemos para nosso Orixá naquele exato momento. Não é o Santo que nasce
mas sim, nós pois a deidade já existia há muito e muito tempo.
Passamos por ritos sérios de
iniciação e somente quem passou já, por tais atos, sabe a seriedade de tudo
isso. Ocorre que ao recebermos nosso Orunkó e/ou Digina, passamos a ser parte
de uma energia transcendental, e, temos que nos orientar para não cairmos em
desafeto com essa energia.
Pois bem, ao passarmos por todo o
processo de iniciação, passamos a ser uma parte de nosso Orixá aqui na Terra.
Somos então, seu representante e tudo que fazemos, ou mesmo quando sorrimos ou
choramos, nosso Orixá compartilha conosco, afinal, somos seus filhos e ainda
mais: representamo-lo nesse mundo.
Na verdade quando um filho se
deita nos pés do seu pai ou mãe no Santo, está se deitando para o Orixá daquela
pessoa. Quando tomamos benção a alguém, na verdade tomamos a benção daquele
Santo.
Sabemos perfeitamente que, nada somos em superioridade a nossos filhos e
filhas, pois que, somos também seres humanos. Não nos cabe a soberba de nos
acharmos acima do bem e do mau. Não somos Reis nem Rainhas, mas, somos
serviçais de nosso Santo.
São eles os Orixás, Ministros de
Olorúm, Deus, e assim sendo, governam a natureza em seu nome. Cuidam dela para
que o Supremo Criador possa se incumbir de seus assuntos. Então, quando nos
abençoam com: Mucuiu no Zambi, Colofé Olorúm, Motumbá Axé, estão nos dizendo:
Meu pai ou minha mãe o abençoe em nome de Deus! E isso é de muita importância
para quem valoriza realmente o Santo.
Dentro de um barracão, como
chamamos nossos Templos, não existem títulos carnais. Que seja a pessoa
advogado, médico, juiz ou qualquer outra profissão, deve sim, se abster de
desobediência, pois somente o Orixá Impera ali. O zelador ou zeladora, são na verdade
sacerdote e sacerdotisas e devem ser repeitados acima de qualquer coisa.
Posição social não tem valor dentro de uma “Roça de Santo”, pois que, somente
as leis dos Orixás valem ali.
Mas, alguns teimam em achar-se
superior a todos e talvez por ter dinheiro ou ocupar uma posição social
determinada, pensam que podem simplesmente denegrir essas leis. Errado! As leis
são muito antigas e devem ser respeitadas sim.
Quando vemos um ogã, uma ekédi, ou mesmo uma pessoa rodante mais velha,
temos sim, que pedirmos sua benção, pois seu Santo, o imantou antes de nós. A
idade de Santo tem que ser respeitada de qualquer jeito. Porém, isso não dá
direito aos mais velhos de humilharem os mais novos, pois que, da mesma forma
que somos parte de nosso Orixá eles o são de seu Orixá e somente a eles cabem
os julgamentos. Os mais antigos, viram coisas que nós ainda não vimos e
consequentemente possuem maior experiência em todos os assuntos.
Não podemos sair por aí, nos
intitulando aquilo que não somos. Devemos sim, nos conscientizar de que nada
somos perante as Deidades de nosso panteão. A benção que recebemos é tamanha em
nossa vida, pois que nos livra de muitos males.
Ser yawô, ou muzenza, não é em
nada insignificante, afinal diz o ditado que: “todos os galos de hoje, foram
pintinho ontem”. Nossa fase de yawô é somente uma passagem e com ela vamos
aprender tudo que se fizer necessário para que no amanhã possamos receber nosso
titulo de sacerdote.
Quando uma pessoa nos abençoa,
nos oferece na verdade o maior tesouro que poderia nos dar, pois mil vezes uma
benção do que uma maldição em nossa vida. Ser do Santo é saber a hora de por
ponto final em muitas coisas e dentro dessas coisas estão o orgulho e a
arrogância.
Somos de uma religião, onde os
donos verdadeiros dela, dormem em esteira e andam descalços e isso tão somente
para mostrar a humildade que precisamos ter em todos os aspectos de nossa vida.
Nada conseguiremos com orgulho, prepotência ou outros sentimentos inferiores, dado
que, nossas entidades e até mesmo nosso Santo, precisa de um médium com coração
limpo e alma livre da corrupção. Não nos compete julgar e sim, aceitarmos as
decisões de quem nos governa, e uma dessas decisões está justamente em pedirmos
a benção e respeitar nossos mais velhos.
São eles como os anciões de
tribos antigas e carregam como estes, a experiência de anos e anos de vida e
somente vivendo, aprendemos da forma correta. Deus em sua infinita sabedoria e
piedade, nos concedeu a experiência de vida dos mais velhos para que possamos
assim, aprender um pouco mais das coisas da vida e darmos o devido valor que
ela merece.
Viver é o bem mais precioso que
Deus nos deu, e precisamos aproveitar ao máximo essa dádiva. Para isso, nada
melhor que começarmos um dia com um: Deus o abençoe, mesmo que seja no dialeto
de nossa religião. Então, aproveite, não deixa de pedir a benção a quem for
mais antigo que você na religião, pois nada de vergonhoso existe, mas sim,
receberá dádivas ainda maiores. Lembre-se: quando nos negamos a pedir a benção de alguém, nos negamos a receber a benção de seu Orixá.
Sérgio Silveira, Tatetú N’Inkisi
Lambanranguange: Odé Mutaloiá.