Sempre que se ouve falar em
trabalho de Exú, escuta-se dizer em fazer despacho na encruzilhada. Porém,
poucos são os que realmente sabem o significado da encruzilhada, o que ela
representa para nós, seres humanos, para nossas vidas e para os espíritos que
nela residem. Pensam alguns que, ali
somente vivem seres atrasados, em busca de vingança e de trabalhos nefastos e
escusos como forma de destruírem a vida dos seres humanos, prestando assim,
serviços aos “seres do inferno”.
Devemos nos ater antes de tudo
que: em primeiro lugar, inferno é algo tão somente do Catolicismo e demais
religiões Cristãs e nada tem a ver com nosso credo. Foi sua criação no
imaginário popular, uma forma de se manter as pessoas fiéis a seus princípios,
pois caso contrário, “Deus” as puniria com o fogo eterno. Sempre foi esta a
maneira mais fácil de manter uma ou mais pessoas sob nosso julgo: ameaçamos com
isso ou aquilo e pronto; garantimos total submissão. Ainda mais, quando fomos
nós quem traduziu as escrituras de acordo com nossos interesses e ali colocamos
apenas o que era de acordo com nossa conveniência. Teremos como resultado, uma
massa mundial, se rendendo a todas as nossas vontades e com isso produzimos guerras,
assassinatos, estupros e outros, como fez a igreja católica.
Mas, nada de inferno existe nas
encruzilhadas nem mesmo nos espíritos que ali habitam. O que entendemos como
encruzilhada afinal?
Encruzilhada segundo definições
dos dicionários, nada mais é que o local onde se cruzam duas ou mais ruas ou
caminhos. Mas, se assim o é, qual sua importância religiosa para o Candomblé e
Umbanda?
Pois bem: Olorúm, Deus criou
tudo, e todas as coisas existentes tanto na Terra como no Universo. Até mesmo
os mais ínfimos seres foram por Ele criados. Ao criar o mundo, ele deu ao
homem, o livre arbítrio, o direito de escolher qual caminho tomar em sua vida,
e até mesmo de escolher se deseja viver para servir a Ele, o pai ou às forças
das trevas. (Dentro da cultura africana, as forças das trevas são espíritos
malfazejos que buscam o mal como força e nada têm com o diabo cristão).
Ao dar ao homem, o livre
arbítrio, Olorúm, concedeu-lhe o maior dos desejos que poderia conceder,
mantendo oculto dessa criação, apenas o dom da imortalidade. Pois bem, para que
o homem decida qual caminho seguir, ele precisa tomar decisões que
comprometerão sua vida para todo o sempre. E isso se compara a “estar numa
verdadeira encruzilhada” como diz o dito popular.
Estamos em uma estrada ou caminho
que leva a determinada Cidade, por exemplo, mas, não conhecemos muito bem o
trajeto, eis que, quando chegamos a um entroncamento, ou seja, em uma encruzilhada,
ficamos em dúvida de qual direção devemos seguir. Então caberá à nossa cabeça,
nossa inteligência nos apontar para onde devemos ir. E isso ocorre em todos os
sentidos de nossa vida.
Quantas e quantas vezes temos que
tomar decisões em nossas vidas que não sabemos nem mesmo por onde começar a
pensar? Temos nesse momento que ponderarmos todas as reflexões daquela decisão
em nosso futuro, para então, decidirmos o que fazer. Esta é a encruzilhada que
temos que passar em nossa vida. São caminhos que o destino nos reservou como
forma de testar nossa fé e nosso amor por Deus, para que possamos provar assim,
se estamos vivendo realmente dentro de tudo que pregamos.
Neste momento, os espíritos que
residem nas encruzilhadas são presenteados, para que nos ajudem a tomar as
decisões mais corretas a fim de que possamos passar por determinada situação
sem maiores comprometimentos tanto de nosso corpo físico quanto espiritual.
Em outras situações, estamos
sendo atacados por inimigos ocultos que não querem de forma alguma nos permitir
seguir em frente com nossos planos de trabalho e crescimento, e isso tão somente
por inveja. Nesta fase, presenteamos aos Exús das encruzilhadas para que
desmanchem todos os feitiços que existam contra nós, para que tenhamos
condições de seguir em frente.
A encruzilhada como podemos ver,
é muito mais que uma mera representação. Ela é na verdade, um ponto estratégico
em nossas vidas e devemos ter muito respeito ao passar por ela. Sempre que
passarmos por uma encruza, devemos mesmo que em pensamento, louvar aos Exús que
ali residem, pedindo permissão para, os que pensam que Exú reside na
encruzilhada, para a exemplo da deusa Hécate, fazer o mal, tão somente o mal
para os seres humanos. Aquela que nas noites de lua nova, andava na Terra com
sua horripilante matilha de cães a destruir todos que passassem por onde ela
estivesse.
Devemos entender que, por mais
que tenhamos alguns aspectos parecidos com outras religiões, somos muito
distantes delas, até mesmo porque, dentro da visão africana, Olorúm, Deus, é
supremo, como nas outras, mas, não pode existir outro ser que deseje roubar-lhe
o trono. Não entende o africano milenar, que sendo Olorúm o Supremo Criador,
uma de suas criações tenha força nem poder para lhe dar combate. Na verdade
eles acreditavam e passaram para nós essa crença, de que, Olorúm, criou a tudo
e todos, e mesmo Exú é seu filho, aliás, o primeiro Orixá, aquele que recolhe
nossas preces e nossos pedidos e leva para o Reino dos Céus.
É ele ainda que, se encarrega de
vigiar os portais que separam nosso mundo dos mundos dos Orixás e dos mortos, a
fim de que, nenhuma força adentre dentro do mundo da outra sem permissão. É Exú
quem guia nossos Orixás a Terra quando de suas primeiras manifestações. Se não
fosse pela vontade de Exú, homem e mulher não sentiriam desejo sexual, e assim
sendo, não copulariam e com isso não perpetuariam sua raça.
Vejamos então, como Exú é de suma
importância para nós e para nossa vida e nosso mundo! Dificilmente sem ele nem
mesmo nossas preces seriam atendidas. Sua importância é tamanha que até mesmo
nas oferendas é ele o primeiro a ser presenteado.
Em seus domínios, as
encruzilhadas, Exú na verdade, zela por nós, cuida para que nossos inimigos não
possam ultrapassar os limites e assim nos fazerem ainda mais mal do que
conseguiram. Sabemos que as decisões que temos que tomar em nosso dia a dia,
nem sempre são fáceis e em algumas delas, podemos machucar alguém e Exú sempre
nos acolhe durante esse processo, garantindo que estejamos em paz com nossa
consciência e a melhor forma para isso, é evitando que os seres inferiores, os
eguns e outros, se infiltrem em nosso meio, e permeiem nossa mente com
pensamentos nefastos e que somente nos afastarão dos ideais de Olorúm.
Silenciosamente, ele vigia nossos
caminhos, nos orienta em tudo que pedimos, e sempre que possível guerreia
contra aqueles que teimam e nos desviar dos caminhos que Deus quer para nós.
Porém, outro guerreiro também habita
as encruzilhadas: Ogum. Sim, o Senhor da guerra, das batalhas, ali faz sua
morada, afina, como andar por uma estrada sem que cruze por uma encruzilhada? E
quando Ogum habita as encruzilhadas é justamente para coibir os excessos
cometidos por Exú, é como forma de sustentar a coexistência dos dois mundos: o
mundo dos encarnados e dos desencarnados, não permitindo assim, que de forma
alguma, algo ultrapasse os limites do aceitável.
Porém, enquanto Exú mora nos
cantos das encruzilhadas, o meio pertence a Ogum, é ali que suas oferendas são postas.
Mas, como hoje em dia o transito de dá por meio de veículos motorizados,
geralmente preferimos agradar Ogum em estradas afastadas, linhas de trem ou
mesmo em encruzilhadas afastadas em locais onde praticamente não existem carros
transitando.
Temos que prestar bem atenção na
forma de entregarmos oferenda para Exú, pois dependendo da cor que colocamos de
vela, da forma que entregamos essa oferenda, corremos o risco de Ogum vir
receber, deixando assim Exú sem o que lhe é devido.
Segundo a lenda, Ogum decapitou
Exú seu irmão, a pedido de Orumilá, pois este estava ultrapassando fazia
tempos, os direitos que haviam sido conferidos a ele, e em muito também havia já,
extrapolado os limites do aceitável, e como seu Pai, Orumilá determinou que
Ogum refreasse o irmão, e este optou pela Guerra, Ogum não teve escolha que não
decapitar o mesmo.
Assim, quando se coloca uma
oferenda para Exú em uma encruzilhada, temos que saber a forma correta até
mesmo para se chegar lá, pois corremos o risco de agradar a um, e desagradar o
outro. Em cada ambiente da natureza, Olorúm colocou um de seus Ministros, os
Orixás responsável, e não seria diferente com a estrada, encruzilhada, campina,
porteira, enfim, tudo que se diz respeito ao mundo que habitamos.
Dizer que na encruzilhada é local
para o mal, é falta de conhecimento, pois muita coisa boa é feita ali. O bem ou
o mal está dentro da cabeça e do coração do ser humano e não das entidades. São
as pessoas que manipulam as entidades, mesmo as sem luz alguma, para prejudicar
seus desafetos. Assim, não precisar ir à encruzilhada, cemitério, ou seja, lá o
que for para fazer maldade. Basta ter a maldade em seu coração e o local em
nada importa.
Mas, aviso: cuidado com o mal,
pois este é faca de dois gumes. Corta dos dois lados e mais dia menos dia,
teremos que dar conta de nossos atos aqui na Terra.
Encruzilhada, portanto, nada mais
é, que o sentido de seguir em caminhos opostos ou não, ao que estamos, e
depende de quem está seguindo tomar a decisão. Por se tratar de uma espécie de
bifurcação, que nos propicia diferentes oportunidades de caminhar, é que Exú
ali reside, à espera dos transeuntes, para que lhes dêm presentes e sigam seus
caminhos em paz.
Tatetú N’Inkisi: Odé Mutaloiá.