A vida de uma pessoa dentro do Candomblé é marcada por uma série de rituais sem os quais ela não pode se considerar como membro dessa religião que tantos adeptos possui, e que, a cada dia, mais e mais praticantes e simpatizantes veem se juntar às suas fileiras.
O mais importante desses processos é sua feitura, quando ela passa a ser um membro de uma casa,como yawò, ou seja, como um noviço, que vai aprender aos poucos, todos os mistérios que compõem esse grande e belo universo.
A feitura é um processo que leva até um mês, ocasião em que o iniciando, fica recluso, sem contato algum com o mundo externo. Nesse período, ele aprende as cantigas, rezas, danças e alguns dos elementos básicos para sua vida como filho de santo.
Passa por um bori, e depois de mais alguns dias ele é feito, ou seja, tem sua cabeça raspada para que possa ser reconhecido por seu Orixá e pelos demais como um membro ativo da religião.
Algumas pessoas se prendem a mitos, que dizem os mais variados absurdos sobre essa fase, chegam a dizer que nessa época a pessoa que se iniciou, faz um pacto com as forças trevosas. Mas, isso não passa de lenda.
Em nossa feitura, temos contato direto com nosso Santo e sendo ele uma força da natureza, pura e muito elevada, dispensa algumas necessidades dos seres humanos, como sexo, bebida, fumo e outras. Exatamente por esse motivo, ficamos isolados do mundo: para nos purificarmos das energias negativas que trazemos de nossa vida cotidiana.
Durante o processo de reclusão, passamos por várias etapas, e em cada uma delas, temos uma visão de como Deus é grandioso, e de como criou a tudo para que os seres humanos tenham condição de cumprir sua jornada.
Se temos nossa cabeça raspada, nada tem a ver com simbologia infernal, até mesmo, pelo fato de os africanos nunca terem conhecido essa coisa em sua terra natal. Somos raspados, pois essa fase representa o nosso nascimento para o mundo do Orixá, ou seja: morremos para o mundo exterior, e nascemos para esse novo mundo que nos apresenta, onde buscaremos a cada dia o aperfeiçoamento nosso e de nosso Orixá.
Depois que somos raspados, e que o Orixá é imantado em nosso corpo, o mesmo nos aceitou como parte dessa filosofia que remonta à época muito mais antiga que o Cristianismo.
Se recebemos outro nome, ou seja: Digina, é para que saibamos que desde o momento de nossa iniciação, temos um compromisso com a doutrina de nossos antepassados, com sua maneira de ver e de viver. Nossa Digina é o nome que nosso Orixá nos deu, da mesma forma que um pai e uma mãe dão nome a seus filhos quando de seu nascimento.
Recebemos então, juntamente com nosso nome, o compromisso de zelarmos pela natureza, pelo ser humano, pelos animais e por tudo que Olorúm, Deus, criou e nos concedeu o direito de utilizarmos durante nossa existência.
Tão somente por isso, existe o grande mistério de uma iniciação e que somente os que passaram por ela, sabem o seu significado real, e tudo que ali é feito. Pois dentro do Candomblé, tudo é mistério e somente os iniciados teem autorização para desvendarem, e isso dependendo de seu tempo e grau de iniciação.
Sergio Silveira, Tatetú N’Inkisi: Odé Mutaloiá.