Dentro do Candomblé é natural o sacrifício de animais, sejam aves ou quadrúpedes dependendo da situação, em louvor às divindades que governam a natureza em nome de Olorúm, Deus.
Em praticamente tudo que fazemos, emprega-se esse rito, pois com o sangue, consagra-se desde os objetos litúrgicos, até mesmo a vida das pessoas que buscam a intervenção dos Santos para a solução de um determinado problema em sua vida.
Quando sacrificamos uma ave, por exemplo, para Exú, damos a ele aquela vida, em troca do favor solicitado naquele momento. Temos que lembrar que o ato de sacrificar animais, vem desde os primórdios da humanidade e mesmo os Profetas Bíblicos, efetuavam sacrifícios a Deus, em busca de santidade para a vida de suas comunidades.
Porém, esses sacrifícios dentro de nossa religião, não podem de forma alguma ser realizados por pessoas que não estejam devidamente preparados para tal. São os sacerdotes e sacerdotisas de Orixá, os Ogãs, Ekédis e outras pessoas de cargos altos e que possuem as obrigações que têm o direito de levarem o obé, faca, ao pescoço de um animal para sacrificá-lo em honra das entidades.
E mesmo para essas pessoas realizarem o ato, existe o momento certo, oportuno, em que a entidade solicita aquele ritual. Este não é feito somente porque desejamos. Existe a necessidade de uma consulta à Ifá, para sabermos se a divindade deseja o sacrifício e qual o animal que ele quer que seja imolado em sua honra.
Não basta querermos dar-lhe, por exemplo, um cabrito, temos que saber se ele deseja o quatro pés, como chamamos, pois pode ocorrer que ele queira um ou dois frangos, por exemplo.
E mesmo que aquele ser deseje o ritual, esse não pode ser praticado como uma coisa simples, corriqueira. Tem-se todo um preparo tanto das pessoas que participarão da imolação como até mesmo do ambiente que esta deverá acontecer, pois o ato de se derramar sangue é algo deveras sério e requer muita responsabilidade da parte de todos que forem compor a comitiva do rito.
Existem as folhas certas, as rezas, as cantigas, todo um processo de encantamento, de se pedir licença para que se possa realizar a atividade. Não é somente pegar uma galinha e cortar fora sua cabeça!
Uma matança mesmo que seja de uma codorna, deve ser bem preparada e realizada com muito cuidado e respeito, pois estamos alimentando um ser que governa determinado elemento da natureza e assim sendo, deve-se acautelar o máximo para que nada saia errado.
O menor erro pode ser fatal e suas consequências seríssimas na vida de quem estiver passando pela obrigação. Nada se faz com gracejos e com pensamentos desvirtuados no mundo do Orixá. Para tudo devemos saber a reza certa, as palavras certas e como proceder.
Não devemos de forma alguma deixar sangue no chão, pois as consequências podem ser terríveis, não podemos permitir que pessoas que não estejam preparadas participem de determinados fundamentos, pois pode causar problemas em sua espiritualidade.
Deve-se levar os assuntos pertinentes ao Orixá com muita seriedade e muito mais ainda quando se trata de sacrificar uma vida, pois mesmo sendo um animal, é um ser vivo, e assim sendo, não temos como saber que fim levará aquela obrigação, caso as coisas não sejam feitas da forma correta.
Nenhuma pessoa deve participar de um ritual de matança sem estar com seu corpo limpo de todas as impurezas do mundo, principalmente sexo e bebida.
Nem mesmo devemos falar alto nos momentos que antecedem a matança, ou durante ela e nem ainda quando o Orixá estiver comento, pois o barulho os incomoda.
Temos que nos lembrar que são seres encantados, verdadeiros elementais, governadores das forças da natureza, antepassados que se dignam a vir entre nós para nos ajudar a viver nesse mundo de provações.
Quando o zelador está em ritual de matança, a casa deve se manter o mais limpa possível, tanto física como espiritualmente para que as energias sejam as mais positivas possíveis. Nada deve acontecer para contrariar as leis que regem esse mundo maravilhoso que é o Candomblé, pois ele é feito de leis severas implantadas pelos antepassados oriundos da África que por sua vez herdaram de seus antepassados.
Uma matança é o ritual mais sagrado que existe e se nele não houver toda disciplina possível, as dores e sofrimentos podem ser inimagináveis. Por isso, respeitemos as leis de nossos Orixás e deixemos os fundamentos para quem realmente se encontra em condições de realiza-los.
Sérgio Silveira, Tatetú N’Inkisi: Odé Mutaloiá.